Está escrito no livro do profeta Ezequiel:
“Eu lhes darei um só coração e infundirei neles um espírito novo. Extrairei do seu corpo o coração de pedra e lhes darei um coração de carne, de modo que andem segundo minhas leis, observem e pratiquem meus preceitos. Assim serão o meu povo e eu serei o seu Deus”.Ez 11, 19-20.
A palavra do Senhor que aqui utilizamos começa com uma instigante relação: a unidade de corações e a infusão de um novo espírito.
É, de fato, instigante, porque sempre quando pensamos a respeito de metanóia, de vida no Espírito Santo e de mudança de atitude, associamos à opção pessoal de aceitar o dom dado gratuitamente por Deus, de abraçar a graça. E, como bem sabemos, compete a cada um essa escolha.
Sim, é inegável que todos esses aspectos acima elencados são, de fato, intrínsecos, subjetivos e, portanto, individuais. Mas o que deseja o Senhor ao deixar para nós esta palavra é que não omitamos o outro lado da infusão do Espírito: possuir, com os santos, um só coração.
Na linguagem humana, diferentemente do que acontece na matemática, a ordem importa. A falta de um ordenamento linear sequencial, por exemplo, foi um dos aspectos linguísticos que motivaram a queda do latim e o surgimento das línguas românicas. É por isso, portanto, que o Senhor enfatiza a doação de um coração único e é por isso que não podemos ignorá-lo como parte do processo de vida nova.
De fato, quando o senhor remete a dar um único coração, ele não estava falando do órgão muscular altamente vascularizado, possuidor de átrios e ventrículos, responsável por bombear o sangue através do sistema circulatório pelos vasos sanguíneos. Ele falava de algo ainda mais complexo e mais profundo: a alma humana.
Também não falava de uma unidade supressiva, isto é, anular os aspectos subjetivos para tornar uma “massa” sem particularidades e individualidades. Esta nunca foi a forma de agir de Deus.
Quando fala sobre dar um só coração aos seus filhos, aos seus santos, o Senhor se refere à transformação – ela mesma possibilitada pelo Espírito Santo -, que unifica a maneira de pensar, de agir, de falar e de corresponder daqueles que foram impactados pela novidade que é a promessa viva e eficaz atuando em nós.
Existe um apelo específico, um comportamento específico, um mover específico daqueles que permitem juntar-se com o coração de Deus e este é ser movido pelo espírito e não pela carne:
“Pois o que a carne deseja é contra o Espírito, e o que o Espírito deseja é contra a carne são o oposto um do outro, e por isso nem sempre fazeis o que gostaríeis de fazer. Se porém, sois conduzidos pelo Espírito Santo, então não estais sob o jugo da Lei. São bem conhecidas as obras da carne: imoralidade sexual, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, facções, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. Eu vos previno, como aliás já o fiz: os que praticam essas coisas não herdarão o reino de Deus.
O fruto do Espírito, porém, é: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio (…)
(…) Se vivemos pelo Espírito, procedamos também de acordo com o Espírito”.
Gl 5, 17-23.25
Talvez você já tenha percebido em si mesmo que quanto mais você se doa a Deus através do Karisma, mais você se assemelha às pessoas que também participam dele. Quanto mais você se deixa viver uma vida no Espírito Santo, mais você se parece com as pessoas que também o vivem.
Isso se dá não porque Deus deseja que sejamos fotocópias uns dos outros, ou que imitemos humanamente uns aos outros, mas porque, quando aceitamos a unidade de coração dada por Deus e permitimos que seja infundido em nós o Espírito Santo, recebemos não qualquer coisa, mas o coração do próprio Deus.
Quando está escrito “Eu lhes darei um só coração”, o Senhor vem dizer: “Eu lhes darei o meu coração” e a partir dele é que eles serão um só, pois no meu coração unificarei todas as coisas e todos os povos, línguas, raças e nações. Eles serão reflexo do que eu sou e restaurarei neles a imagem e semelhança que havia estabelecido neles.
Ter um só coração com o Senhor e com os santos é sinal de pertença ao Reino e do senhorio de Deus em nossas vidas.